Acordar Espiritualmente (3) - Joan Tollifson


Quanto esforço é necessário para ser o que você já é?

Escute a chuva, o tráfego e os pensamentos que borbulham vindos de nenhum lugar. Os pensamentos são como secreções de cérebro, padrões de hábitos condicionados, clima mental - não há nada de pessoal neles. Vendo o mundo de miragem dos pensamentos e filmes mentais pelo que eles são, fica mais e mais sutil. Ficar pra baixo consigo mesmo por "pensar demais" é simplesmente mais um pensamento! Nada disso é algo que "você" esteja fazendo. Esta exploração não é acerca de livrar-se dos pensamentos ou filmes; ela trata sobre ver que eles são pensamentos e filmes, e ver que o "mim" que quer acordar dos filmes e parar de pensar e ter sucesso nisso tudo é simplesmente um outro pensamento, uma outra miragem, um outro personagem de filme em outro filme.

O ver é o que é real, a atualidade deste momento, o cheiro da chuva, a canção do pássaro, o ruído do tráfego. Nenhum resultado final, nenhuma linha de chegada, nenhum evento Big Bang - mas somente o que é e como é. Sem necessidade de experiências exóticas. Nada precisa ser eliminado, e nada necessita ser adquirido. Aqui é liberdade.

Se você está se sentindo confuso, tentando descobrir se você tem ou não livre arbítrio, se você existe ou não, ou se você deve ou não meditar ou não fazer nada, ou se acredita nesse ou naquele professor, simplesmente acorde agora desse pesadelo mental. Pare. Olhe. Escute. Ouça o tráfego, os pássaros, o vento. Sinta a respiração. Nada especial. Simplesmente o extraordinário milagre do que atualmente é.

Quando eu era criança, minha mãe costumava me dar um balde de água e um pincel, para que eu pudesse pintar a calçada. Claro que rapidamente minhas pinturas desapareciam e não havia nenhuma fama ou fortuna envolvida. De qualquer modo eu fazia aquilo pela pura alegria de fazê-lo, pela dança. Isso não precisava de nenhum premio ou reconhecimento, nenhuma permanência. Era completo em si mesmo. À medida que cresci e me tornei uma estudante de arte, me descobri preocupada com todas as coisas que os humanos sabem tão bem: comparar a mim mesma com os outros e descobrir se valia à pena pintar, se eu não era um Leonardo ou Picasso ou alguém grande. O que uma vez havia sido puro deleite, agora era tudo uma questão de "mim" e quanto "eu" media de acordo com esse padrão de medida imaginário.

Quando esse interesse pelo acordar apareceu pela primeira vez, ele frequentemente era raptado por esse velho condicionamento que drena a vida de seu natural estado de brincadeira, curiosidade e criatividade, tornando-a uma perseguição orientada ao objetivo de melhorar e dar significado ao ego.

Queremos que a espiritualidade faça algo por nós. Queremos ser bem sucedidos nela. Queremos ser uma pessoa especialmente iluminada. Queremos livrar-nos do ego, parar de pensar ou ter ilusões. E, claro, ficamos indefinidamente desapontados, frustrados e confusos.

Consciência não é orientada a objetivos. Ela é um estado natural, estado sem estado, o que já é. Ela é absolutamente simples e descomplicado. As estórias sobre você e seus objetivos, seus sucessos e falhas, a significância ou insignificância de sua vida - estas estórias são superimpostas pelo pensamento. Elas criam a miragem do sofrimento que parece tão real. Se consciência presente é algo que "você" parece estar fazendo por um resultado ou para chegar a algum outro lugar, isso o desapontará, e será apenas alguma ideia conceitual de "consciência presente", como um adulto tentando pintar a calçada com água na esperança de que isso vai finalmente fazer dela ou dele um grande e bem sucedido pintor.

Então, o que fazer? Esforço ou não esforço, prática ou não prática? A questão é como uma nuvem flutuando pelo céu. Práticas podem aparecer ou desaparecer, esforços podem acontecer ou parar de acontecer. De qualquer modo, só existe esse momento presente, simplesmente como é. A assim chamada meditação (no verdadeiro sentido) não é nada mais que um espaço simplificado onde tudo pode vir à luz e ser visto pelo que é. A verdadeira meditação não trata de ir a qualquer lugar ou alcançar algo. Não tem nada a ver com posturas especiais, técnicas, resultado ou experiências. Ela é simplesmente uma consciência sem escolha, um acordar para o que é aqui e agora. Meditação é algo que a vida está fazendo. Meditação é a descoberta de que não há nenhum meditador e nenhuma possibilidade de sair da meditação. Meditação é esse presente momento, do jeito que é. Quando isso é visto, todo o "conceito" de meditação desaba.

Talvez em clara visão, a busca por algo maior e melhor se revelará pelo que é, e talvez haja a descoberta de um simples amor pela presente consciência, pelo que é, como meu amor pela pintura com água (quando criança). Você não pode forçar que esse amor aconteça; não mais do que possa forçar a si mesmo a dormir ou relaxar. Contudo, esse amor é o estado natural, seu estado natural, e tudo que (aparentemente) entra no caminho é a estória de que ele não é, de que algo mais ou menos ou diferente é necessário. Você não pode fazer aquela estória desaparecer pó que o próprio esforço é parte da estória! O pequeno "você", encapsulado e isolado que aparentemente "tem" essa estória e deseja ser livre é a ilusão central. As estórias e a ilusão de encapsulamento podem somente ser vistas pelo que elas são, não intelectualmente, mas diretamente, à medida que surgem aqui e agora. E se elas não são vistas, então pode parecer que "você" está perdido ou limitado ou com problemas. Mas você está realmente perdido? No filme, a tela é realmente queimada pelo fogo?

Palavras e conceitos são complicados; a realidade é totalmente simples. Você não pode comer o menu ou viver no mapa, e essas palavras são um convite para abandonar todas as crenças e ideias, até mesmo as muito sutis que você pegou do Advaita ou do Zen. Buscando liberação você pretende que ela não seja. Mas até mesmo essa pretensão é ela, pois é inescapável. Quanto esforço é necessário para ser o que você já é?

O que importa é o ver diretamente aqui e agora, seu próprio questionamento e observação, consciência presente. Ninguém possui isso. Não há qualquer autoridade externa ou palavra final para isso. Isso está bem aqui, exatamente agora, vendo essas palavras.

Joan Tollifson

Fonte: http://frangrossi.wordpress.com/2008/06/08/acordar-espiritualmente/

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