A Verdade Além dos Conceitos - Ramsh Balsekar


O condicionamento básico que cria a personalidade é a soma dos genes mais o condicionamento ambiental

WIE: Você está cada vez mais conhecido como professor do Advaita Vedanta seja na Índia e no ocidente. Pode descrever para nós o que é que ensina?

Ramesh Balsekar: Posso realmente resumi-lo numa só frase. A frase na qual meu ensinamento inteiro é baseado é: "Seja feita a tua vontade". Ou, como dizem os muçulmanos, "Inshallah" - A vontade de Deus. Ou, nas palavras do Buddha: "Eventos acontecem, ações são feitas, mas não tem nenhum individuo que age". Veja, o conflito básico na vida é: "eu sempre faço tudo direito então quero minha recompensa. Ele ou ela sempre faz algo errado então deveria ser punido". Essa é a vida, não é assim?

WIE: Bem, certamente acontece muito.

RB: Essa é a base daquilo que eu observei. O problema inteiro surge porque alguém diz, "Eu fiz algo e, portanto mereço uma recompensa, ou ele fez algo e, portanto eu quero puni-lo pelo que ele fez".

WIE: Como leva as pessoas compreender isso - que não há aquele que age, que não ha fazedor?

RB: Isso é muito simples. Se você analisar qualquer ação que você considera como sendo sua ação, você vai descobrir que é uma reação do cérebro a um evento externo sobre o qual você não tem nenhum controle. Um pensamento vem - você não tem nenhum controle sobre o pensamento que chega. Algo é visto ou é ouvido - você não tem nenhum controle sobre o que você verá ou ouvirá em seguida. Todos esses eventos acontecem sem seu controle. E então o que acontece? O cérebro reage ao que pensou ou à coisa que é vista, é ouvida, é provada, é cheirada ou é tocada. A reação do cérebro é o que você chama "sua ação". Mas, de fato, isto é meramente um conceito.

WIE: Qual é a diferença então entre pensamentos, sensações e ações de uma pessoa iluminada e de uma pessoa não iluminada?

RB: Acontece a mesma coisa. A única diferença é que, no caso do sábio, ele entende que é isso que acontece. Portanto ele sabe que não há nada que ele esteja fazendo: as coisas simplesmente acontecem. O sábio sabe que "eu não faço nada". Mas o homem comum diz, "faço coisas ou fazem coisas. Portanto quero minha recompensa e quero que eles sejam punidos". A recompensa ou o castigo dependem da ideia que eu, ele ou ela fazemos coisas, de que somos agentes.

WIE: Posso entender através de minha própria experiência que nós não temos qualquer controle sobre qual pensamentos nem sentimentos que surgem. Mas às vezes a uma ação segue outra, às vezes não, e me parece que existe uma grande diferença entre quando um pensamento meramente surge e quando é empreendida uma ação que envolve uma outra pessoa.

RB: A ação que acontece é o resultado da reação do cérebro ao pensamento. Se é simplesmente a testemunha do pensamento e o cérebro não reage aquele pensamento, então não há nenhuma ação.

WIE: Mas se, como você diz, não há ninguém que decide como responder, então o que é que causa o manifestar-se de uma ação?

RB: Uma ação acontece se for vontade de Deus que aconteça. Se não está em sua vontade, a ação não acontece.

WIE: Quer dizer que cada ação acontece por vontade de Deus?

RB: Sim, é a vontade de Deus.

WIE: Que age através de uma pessoa?

RB: Sim, através de uma pessoa.

WIE: Que seja uma pessoa iluminada ou não? Através de cada um, em outras palavras?

RB: Exatamente. A única diferença, como disse, é que o homem comum pensa, "é minha ação" enquanto o sábio sabe que não é a ação de ninguém. O sábio sabe isso: "Ações são feitas, eventos acontecem, mas não há um indivíduo, não ha "aquele que age". Essa é a única diferença quanto a mim. A única diferença entre um sábio e uma pessoa comum é que a pessoa comum pensa que cada indivíduo faz aquilo que acontece através daquele organismo corpo/mente. Portanto, desde que o sábio sabe, não há nenhuma ação que ele faz, se produz uma ação que possa machucar alguém, então ele fará tudo que for possível para ajudar aquela pessoa, mas não haverá nenhum sentimento de culpa.

WIE: Quer dizer que, se um indivíduo age de maneira que possa ferir outro, então a pessoa que fez, ou, como você diz, o "organismo corpo/mente" que agiu, não é responsável?

RB: O que eu estou dizendo é que você sabe que "eu" não o fiz. Não digo que eu não lamente por ter machucado alguém. O fato de que alguém foi machucado produzirá um sentimento de compaixão e o sentimento de compaixão resultará em meu tentar fazer qualquer coisa que possa aliviar essa ferida. Mas não haverá nenhum sentimento de culpa: eu não o fiz! O outro lado da moeda é que, se acontecer uma ação que é elogiada pela sociedade e essa me oferecer uma recompensa por isso, eu não digo que não surgirá um sentimento de felicidade por causa da recompensa. Assim como surgiu a compaixão por causa do magoado, um sentimento de satisfação ou de felicidade pode surgir por causa de uma recompensa. Mas não haverá nenhum orgulho.

WIE: Mas você literalmente quer dizer que se vou e firo alguém, não sou eu a fazê-lo? Quero simplesmente ficar claro em relação a isso.

RB: O fato inicial, o conceito original ainda resta: você feriu alguém. Surge o conceito adicional que o que acontece é a vontade de Deus, e a vontade de Deus com respeito a cada organismo corpo/mente é o destino daquele organismo corpo/mente.

WIE: Então eu poderia somente dizer, "Bem, agi pela vontade de Deus; não tenho culpa"?

RB: Certamente. Um ato acontece porque é o destino deste organismo corpo/mente e porque é a vontade de Deus. E as consequências daquela ação são também o destino daquele organismo corpo/mente. Se uma boa ação acontece, isso é o destino. Por exemplo, nós tivemos uma Madre Teresa. O organismo corpo/mente conhecido como "Madre Teresa" era programado de modo que acontecessem somente boas ações. Então o acontecimento das boas ações era o destino do organismo corpo/mente chamado Madre Teresa. E as consequências foram: um Prêmio Nobel, recompensas, prêmios, e doações para as várias causas. Tudo isso era o destino daquele organismo corpo/mente chamado Madre Teresa. Por outro lado há um organismo psicopata que é programado de tal maneira - pela mesma fonte - que somente aconteçam ações perversas e maldosas. A manifestação dessas ações maldosas e perversas são o destino de um organismo corpo/mente que a sociedade chama de psicopata. Mas o psicopata não escolheu ser psicopata. Aliás não há nenhum psicopata; há só um organismo corpo/mente psicopático, cujo destino é produzir ações maldosas e pervertidas. E as consequências dessas ações são também o destino daquele organismo corpo/mente.

WIE: Você acha que tudo seja predestinado? Que tudo seja pré-programado desde o nascimento?

RB: Uso a palavra "programar" em referencia às características inerentes ao organismo corpo/mente. A "programação" para mim significa os gens mais os condicionamentos ambientais. Fisicamente você não pôde escolher seus pais, portanto você não teve escolha quanto aos seus genes. Do mesmo modo, você não teve escolha quanto ao ambiente onde você nasceu. Portanto você não teve nenhuma escolha sobre os condicionamentos da infância que você recebeu naquele ambiente, que inclui o condicionamento em casa, na sociedade, escola e a igreja. Os psicólogos dizem que o condicionando total que você recebeu até a idade de três ou quatro anos é seu condicionamento básico. Haverá mais condicionamentos, mas o condicionamento básico que cria a personalidade é a soma dos genes mais o condicionamento ambiental. Chamo isso de programação. Cada organismo corpo/mente é programado de maneira única. Não há dois organismos corpo/mente iguais.

WIE: Sim, mas não é verdade que duas pessoas podem ter bases muito semelhantes de condicionamento e, mesmo assim, serem completamente diferentes uma da outra?

RB: Claro. Essa é a razão pela qual eu uso dois termos: um é a programação do organismo corpo/mente, o outro é o destino. O destino é a vontade de Deus em relação aquele organismo corpo/mente, imprimido no momento de concebimento. O destino de um concebido poderia ser o de não nascer absolutamente, nesse caso ele será abortado. Isto tudo é um conceito, não se engane. Isto é meu conceito.

WIE: Você afirma que isto é um conceito e, certamente, todas as palavras são conceitos, mas como sabemos que este conceito é a verdade? Tendo a pensar que todo mundo tem responsabilidades individuais e que, embora haja uma certa quantidade de condicionamentos que nós herdamos, nós ainda podemos escolher como respondemos. Um indivíduo pode transcender os aspectos de seu condicionamento, enquanto outro pode ficar preso a eles durante toda sua vida. Desde que isto ocorra, diria que é devido à vontade individual transcender seus condicionamentos e prosperar.

RB: Mas se isso acontecer, pode acontecer a menos que seja a vontade de Deus? Vamos supor que haja duas pessoas: uma tenta superar seus limites e consegue, a outra não consegue. O que eu entendo é que, seja aquela que prospera, seja aquela que fracassa, cada uma o faz porque isso é o destino de cada organismo corpo/mente - que é a vontade de Deus.

WIE: Mas não poderíamos simplesmente dizer que é a vontade de Deus dar a cada individuo a livre escolha de tomar suas próprias decisões?

RB: Não. Veja. A minha pergunta a você é: Qual das duas vontades prevalece? Aquela do indivíduo ou aquela de Deus? Pela sua própria experiência, até que ponto seu livre arbítrio prevaleceu?

WIE: Bem, acho que, às vezes, a vontade do individuo poderá certamente prevalecer.

RB: Em relação à vontade de Deus? Quando você quer algo e você trabalha para isso e isso acontece, acontece porque sua vontade coincidia com a vontade de Deus.

WIE: Vamos fazer o exemplo de um indivíduo que se torna um viciado durante toda sua vida. Alguém poderia argumentar que ele escolheu ir contra a vontade de Deus e conseguiu exatamente porque tinha o livre arbítrio.

RB: Mas seja que você aceite ou não, essa é a vontade de Deus, você não vê? Que você aceite a vontade de Deus ou você não aceite a vontade de Deus, isso também é a vontade de Deus!

WIE: Eu diria - não necessariamente.

RB: Sei, você quer fazer o advogado do diabo.

WIE: Bem, não. Tento chegar a perceber qual é a verdade.

RB: Mas o que é verdade? Eu já disse que qualquer coisa que eu diga é um conceito.

WIE: Sim, eu entendo, mas nem todos os conceitos são iguais. Alguns afirmam algo que é verdadeiro e outros não.

RB: Todos os conceitos tentam apontar para algo, mas ainda assim são todos conceitos. A pergunta real seria, "o que é a verdade que não é um conceito?"

WIE: Afirmar que tudo é programado antecipadamente, que é tudo destino e que não há livre arbítrio, parece-me como uma forma muito extrema de reducionismo. De acordo com esta visão, os seres humanos são como computadores; tudo que nos concerne já está pré-determinado.

RB: Sim, exatamente.

WIE: Mas essa me parece ser uma visão sem coração. Então somos somente máquinas, tudo nos acontece. Não há nada que nós possamos fazer, nada que nós possamos mudar.

RB: Sim, precisamente.

WIE: Mas isso pode levar facilmente a uma indiferença profunda em relação à vida.

RB: Sim, e se isso acontecesse, então seria maravilhoso!

WIE: Realmente?

RB: Mas esse é o ponto! Claro. Então pode dizer que qualquer coisa que aconteça é aceita. Então não há nenhuma infelicidade, não há nenhuma miséria, nenhuma culpa, nenhum orgulho, nenhum ódio, nenhuma inveja. O que ha de errado nisso? E, como já disse, as ações acontece através desse organismo corpo/mente e, se esse individuo descobre que uma atitude feriu alguém, nasce a compaixão. Como a compaixão poderia surgir se não houvesse nenhum coração?

WIE: Mas não parece um pouco estranho ferir alguém e depois sentir compaixão? Não seria melhor, em primeiro lugar, não machucá-lo?

RB: Mas não está sob seu controle! Se assim fosse, em primeiro lugar, você nunca o teria feito.

WIE: Mas se alguém acredita poder exercitar o controle, se opondo à crença que afirma o contrario, poderia escolher fazê-lo.

RB: Então por que o ser humano não exercita o controle em cada ação que acontece? Deixe-me fazer uma pergunta: É evidente que o ser humano possui um intelecto extraordinário, tanto que um pequeno ser humano foi capaz de enviar um homem à lua?

WIE: Sim, isso é verdade.

RB: E ele também tem o intelecto para saber que se fizer certas coisas, coisas terríveis acontecerão? Tem o intelecto para saber que se produzir armamentos nucleares ou armas químicas, então as pessoas as usarão e coisas terríveis acontecerão ao mundo? Tem o intelecto - portanto se tiver livre arbítrio, então por que o faz? Se possui o livre arbítrio, por que reduziu o mundo a essa condição?

WIE: Admito, a situação que você descreve é obviamente demente. Mas diria que é devido ao fato que as pessoas são indolentes. E acredito que as pessoas podem mudar se quiserem.

RB: Então por que elas não o fizeram?

WIE: Algumas pessoas mudam, mas, como disse, infelizmente parece que a maioria das pessoas é muito indolente.

RB: Significa, eles não têm nenhum livre arbítrio!

WIE: Tendo somente o livre arbítrio não nos assegura que agiremos inteligentemente. Como no exemplo que você acaba de dar, está claro que as pessoas frequentemente escolhem fazer coisas que são bastante prejudiciais.

RB: Quer dizer que temos o livre arbítrio para destruir o mundo? Se dissermos que temos o livre arbítrio para destruir o mundo, em outras palavras, significa que destruímos o mundo porque queremos fazê-lo - sabendo muito bem que o mundo será destruído! Livre arbítrio significa que quer fazê-lo.

WIE: Penso que o problema deve-se mais ao fato que as pessoas normalmente não assumem as consequências de suas ações. Elas frequentemente pensam somente em si mesmas, sem considerar onde suas ações podem levá-las.

RB: Mas o ser humano é extremamente inteligente. Por que eles não pensam nesses termos que você propõe? Minha resposta é - porque não é previsto que eles o façam!

WIE: Quando você diz que "não é previsto que eles o façam" o que quer dizer?

RB: Não é a vontade de Deus que os seres humanos pensem dessa maneira. Não é a vontade de Deus que o ser humano seja perfeito. A diferença entre o sábio e a pessoa comum é que, o sábio aceita o que é enquanto vontade de Deus, mas se isto é importante, isto não o impede de fazer o que ele pensa deva ser feito. E o que ele pensa que ele deva fazer é baseado na programação.

WIE: Mas porque o sábio faria "o que ele pensa deva ser feito" se, como você já explicou, sabe que, em primeiro lugar, não é ele que pensa?

RB: Quer dizer, como a ação acontece? A resposta é que a energia dentro deste organismo corpo/mente produz a ação de acordo com a programação.

WIE: Então a ação, como você a descreve, acontece somente através da pessoa.

RB: Sim, flui. A ação acontece. Portanto esse é o ponto daquilo que eu digo - voltando novamente as palavras do Buda "Eventos acontecem, ações são feitas".

WIE: Pelo que eu conheço sobre o pensamento do Buda, ele também sentia fortemente que os indivíduos eram pessoalmente responsáveis por suas ações. Não é essa a base do seu inteiro ensinamento sobre o carma, a lei de causa e efeito?

RB: Não o Buda!

WIE: É minha impressão que o Buda ensinou bastante sobre a "ação correta". Parece que ele prezava muito aquilo que as pessoas faziam e punha muita ênfase no fato de que as pessoas tinham que fazer um grande esforço para mudar.

RB: Isso é uma interpretação subsequente do Budismo. As palavras do Buda são muito claras. Quem tem o controle sobre aquilo que acontece? Deus tem o controle! Isso, como vimos, é à base de cada religião. É, mas porque existem as guerras religiosas se isso está na base de cada religião? São os intérpretes que causam estas guerras! E como é que isso poderia acontecer se não fosse a vontade de Deus?

Ramsh Balsekar




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